Breve História do Casamento em Portugal: De Dever a Escolha
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Há um século, casar era uma evidência, uma etapa quase obrigatória na vida adulta. Hoje, é uma escolha, uma celebração, uma questão entre outras. Em pouco mais de cem anos, a instituição do casamento em Portugal conheceu uma transformação mais profunda do que durante os mil anos anteriores.
De pilar da sociedade a projeto de casal pessoal, de contrato indissolúvel a união flexível, como evoluiu o casamento para refletir as imensas mudanças da nossa sociedade?
Mergulhemos nesta fascinante história para compreender melhor o que significa unir-se hoje.
1. Início do século XX: A Instituição Intocável
No início dos anos 1900, o casamento é o fundamento da sociedade. É um contrato económico e social muito mais do que uma questão de sentimentos.
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Um Pilar Patriarcal: O marido é o "chefe de família", e a mulher deve-lhe obediência. A plena igualdade jurídica entre cônjuges só chegará muito mais tarde.
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O Divórcio, uma Exceção: Embora legal para casamentos civis, o divórcio é raro, caro e socialmente muito mal visto. Para os casamentos católicos, torna-se praticamente impossível após a Concordata de 1940.
2. O Estado Novo (1933-1974): O Casamento como Pilar do Regime
O regime do Estado Novo consolidou um modelo de família tradicional, conservador e patriarcal. O casamento era visto como a célula base da Nação, sob o lema "Deus, Pátria e Família".
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A Indissolubilidade Reforçada: As leis dificultaram ainda mais o divórcio, reforçando a ideia de que o casamento era para toda a vida.
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A Mulher como "Anjo do Lar": O papel da mulher foi confinado ao espaço doméstico, limitando a sua autonomia económica e social.
3. A Revolução de 1974: A Libertação do Amor
A Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, abalou a instituição nas suas fundações. O casamento inicia a sua grande mutação: passa do estatuto de obrigação social ao de busca pela realização pessoal.
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O Fim do "Chefe de Família": A Constituição de 1976 e o novo Código Civil de 1977 estabelecem a plena igualdade entre os cônjuges. O divórcio por mútuo consentimento é simplificado.
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A Ascensão da União de Facto: Pela primeira vez, viver em casal sem ser casado torna-se uma opção socialmente aceite e, mais tarde, reconhecida por lei.
4. 2010: O Casamento Civil para Todos, uma Revolução de Direitos
A lei que, em 2010, abriu o casamento a casais do mesmo sexo é muito mais do que uma simples reforma. É um ponto de viragem que redefine a instituição em Portugal.
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O Amor como Única Condição: O casamento deixa de ser definido pelo género dos cônjuges, mas unicamente pelo amor e pela vontade de se comprometerem. É o culminar da transição para um casamento por amor.
5. E Hoje?
Casar em 2025 não tem nada a ver com casar em 1925.
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Uma Escolha Fortemente Simbólica: Uma vez que já não é uma obrigação, o casamento tornou-se uma escolha ainda mais forte. É uma declaração de amor pública, uma grande festa que reúne os entes queridos.
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Um Projeto de Casal: A organização do casamento tornou-se uma aventura em si mesma, o primeiro grande projeto do casal, onde cada detalhe, da cerimónia aos presentes, é personalizado para refletir a sua história única.
Conclusão: Mais Livre, Mais Forte
Longe de desaparecer, o casamento reinventou-se. Liberto do seu peso de obrigação social, tornou-se uma das mais belas expressões da liberdade individual e do amor escolhido. E é precisamente essa liberdade e essa unicidade que procuramos celebrar todos os dias.